Tenho pensado muito a respeito da infância nesses tempos de modernidade. São tantas exigências, expectativas, compromissos e responsabilidades, que me faz lembrar da infância do século passado, em que as crianças eram "mini-adultos" e eram objetos de nenhuma atenção especial além de cuidar de sua saúde, bons modos, e ajudar os adultos em suas tarefas.
Hoje a realidade é outra, criança é superprotegida, é atendida em suas prioridades (infelizmente também nas futilidades), vai à escola muito cedo, é um nicho do mercado publicitário (pasmem, ainda não trabalham e já detêm um dos maiores poderes de compra!). Contudo, sofrem igualmente um dos piores males do nosso século: o excesso que encobre a falta.
Explico: enquanto nós, pais, trabalhamos e trabalhamos a fim de "viver bem", ter melhor qualidade de vida, ofertar boa educação aos nossos filhos, eles estão sofrendo significativas faltas. Falta nossa presença, nosso olhar cotidiano, falta tempo para fazer a tarefa, para levar à escola, para brincar no fim do dia, para colocar pra dormir... E sobra o quê? Nada diferente do que é a nossa própria vida de adultos, sobra trabalho e falta prazer.
Dia desses no consultório, uma paciente de 08 anos me disse, animada:
- "Acredita que minha mãe me tirou do ....( determinada atividade)?!
Eu lhe disse:
- "Ah , então sua mãe resolveu atender o seu pedido?
E ela seguiu:
" Que nada! Foi simplesmente porque não cabe na minha agenda... Tenho certeza de que se tivesse uma horinha sobrando ela não deixaria passar! "
Esse é um diálogo cada vez mais comum entre as crianças e os adolescentes hoje. Reclamar da agenda apertada e dizer que não sobra tempo para quase nada que não envolva os compromissos pré-profissionais: escola, balé, sapateado, inglês, natação, aula de reforço, kumon, aula de música, futebol...
Há quem diga que não é de todo ruim pois, baseado no discurso dos pais, quando crescerem verão o que é ter compromissos de verdade, referindo-se ao trabalho. É claro que há crianças muito ativas, que revelam várias habilidades, e que uma rotina preenchida não prejudica seu rendimento escolar, seu sono, ou até mesmo o seu lazer e descanso. Mas sabemos que não é a realidade de todos. A maioria dos pais está cheia de boas intenções ao lotar a agenda do filho, afinal, alguns querem dar-lhes as oportunidades de que não dispuseram em sua própria infância. Há também os que preferem a rotina preenchida ao ócio em casa nas mãos de funcionários, ou diante da TV e do video game, e ninguém os condenará por isso. A questão é que cada criança possui seus próprios limites, sendo necessário, pois, estar atento a eles. Em alguns casos, a agenda lotada leva a uma fadiga e a sintomas indesejáveis, principalmente na esfera emocional, caso isso esteja acompanhado da ausência dos pais. De nada adianta novas descobertas e a aquisição de fantásticas habilidades, se os pais não estão ali para compartilhar.
Importante saber que a própria criança dará os sinais de que está bem e realizada naquilo que faz. Diante de sinais de alerta, ou qualquer dificuldade que possa comprometer o bom desenvolvimento físico e emocional do seu filho, reveja sua rotina. Conversar na escola, com os profissionais que o acompanham e, principalmente com a própria criança, são sempre os melhores caminhos. E não esqueçam: tempo é oportunidade. Marquem na agenda de vocês e dos seus filhos um encontro diário com a diversão, o carinho e o prazer.
Katia Cristiane Bezerra
Psicóloga clínica, Mestre em Psicologia na área de Família.
katia@apegoeperdas.com.br*artigo encomendado pela Revista Viver Bem (publicado na edição set-out/2011, Natal-RN), na íntegra.
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